RIO – A pandemia acelera mudanças na política econômica dos países ricos e no discurso de organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. A receita de austeridade dá lugar a prioridades como redução da desigualdade com mais emprego, proteção ao meio ambiente e investimento forte do Estado. Em momentos de crise, é comum a pressão pelo uso de recursos públicos. Mas a atual receita anticrise reflete a maior pressão social dos que não tiveram ganhos em qualidade de vida ou renda com a política de corte de investimento público e de impostos corporativos.
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Temas como gasto público e taxação de empresas têm aparecido com mais frequência nas vozes de Kristalina Georgieva, diretora-gerente do FMI, e de Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, a maior economia do mundo. Há pouco tempo, ocupantes dessas cadeiras defenderiam a rota de disciplina fiscal, abertura comercial e economia de mercado. Esse conjunto de políticas foi costurado na passagem de Ronald Reagan pela Casa Branca, nos anos 1980, e o economista John Williamson, morto na semana passada, o chamou de Consenso de Washington.
—Não há mais Consenso de Washington, à medida que os EUA passam de uma política “América primeiro” (lema de Donald Trump) para a política “americanos primeiro”— afirmou ao GLOBO o presidente da consultoria americana Eurasia, Ian Bremmer.
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Para ele, o papel do Estado vai crescer diante da evidência de que a Covid afetou mais os pobres, aprofundando a desigualdade, e de que o avanço da tecnologia agravou o desemprego:
— A seguridade social precisa de mais investimento.
O economista Samuel Pessôa, da Fundação Getulio Vargas (FGV), considera o pacote de US$ 2 trilhões em investimentos em infraestrutura com forte aumento de impostos corporativos do presidente americano Joe Biden “uma mudança de rota no navio que vinha desde os anos 1980”:
— Há um debate sobre em que medida as políticas que começaram no governo Reagan explicam parte do aumento da desigualdade. O argumento era que reduzir impostos estimularia crescimento, aumentando a demanda por trabalho. Isso não ocorreu. Estamos há 40 anos esperando.
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Carlos Primo Braga, professor da Fundação Dom Cabral e que foi diretor de Política Econômica do Banco Mundial, não vê consenso em torno de uma política fiscal mais ativa, mas reconhece a tendência de colocar em xeque hipóteses do Consenso de Washington.
— Há mais ênfase na questão fiscal em países que são emissores de reserva internacional, como EUA. Na Argentina, no Brasil, é complicado fazer essa proposição. Já estamos no Brasil com a inflação se deslocando das metas.
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Kristalina Georgieva, diretora-gerente do FMI: defesa de mais taxação Foto: ERIC BARADAT / AFP
Esse já é o temor de Larry Summers, ex-secretário do Tesouro nos EUA: ele diz que o pacote de Biden é excessivo e que vai gerar inflação.
Economistas dizem que é difícil transpor esse modelo para o Brasil, diante do aumento da dívida pública e do déficit primário, que já ultrapassa 9% do PIB. Para eles, há pouca margem para ampliar despesas. O caminho seria rever e reorganizar o gasto público.
O FMI na última semana voltou a defender a taxação de grandes corporações para financiar o combate à pandemia e reduzir a desigualdade.
— É um problema de taxação das grandes empresas no mundo desenvolvido, que mudam o domicílio tributário para localidades de imposto menor. O objetivo é que os países cheguem a um acordo. FMI e Banco Mundial estão puxando isso — afirmou José Alexandre Scheikman, professor da Universidade de Columbia.
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Teste de política
O economista Otaviano Canuto, ex-diretor executivo do FMI, observa que, desde a crise financeira global de 2008, havia a percepção de que as nações usaram pouco a política fiscal para ativar a economia:
— Outra visão ganha força sobre a necessidade de se fazer algo contra a mudança climática, ter olho para a parte de baixo da pirâmide, para diferenças étnicas e raciais.
Pessôa se diz curioso em relação ao resultado da política econômica de Yellen:
— Ela tem muita coragem. É um programa que aceita um pouco de inflação para levar o setor privado a trazer desalentados de volta ao mercado de trabalho.